segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Recordar e Viver (XVII)



Repetição da repetição

Corria a época de 1971/1972 e no encerrar da primeira volta do Campeonato Nacional de Futebol da 1ª. Divisão, jogavam no Barreiro, num Domingo fortemente fustigado pela chuva, o F. C. Barreirense e a Académica de Coimbra. E foi precisamente debaixo dessa chuva torrencial que decorreu a primeira parte desse jogo e, no regresso do intervalo, a equipa de arbitragem vendo que o velhinho D. Manuel de Melo mais parecia uma gigantesca piscina, considerou que o terreno de jogo estava impraticável para a realização da segunda metade da partida, e esta foi interrompida com o resultado a saldar-se numa igualdade sem golos.
Veio a saber-se depois que nos balneários, equipa de arbitragem e responsáveis dos dois clubes tinham acordado que o jogo fosse repetido no dia seguinte, segunda-feira, à mesma hora (15.00 h), o que veio a acontecer, tendo o F. C. Barreirense vencido esse jogo por 3 a 1.
Depois, e a partir daí, começaram a movimentar-se os bastidores, e a Académica fez um protesto junto da Federação para que o jogo se voltasse a realizar, uma vez que alguns, poucos, dos seus jogadores, não tinham podido vir ao Barreiro jogar para não faltarem às aulas. Este foi o argumento apresentado pelos “estudantes”.
E este argumento foi ganhando força à medida que o Campeonato se aproximava do seu final e se via que a Académica precisava de vir ao Barreiro ganhar esse jogo para evitar a descida. O Barreirense estava à vontade nessa situação, e se o jogo se repetisse, e a Académica ganhasse, um destes três clubes desceria de divisão: Atlético, Leixões ou Beira-Mar.
E por incrível que pareça, o protesto foi deferido pelo Conselho Superior da Federação Portuguesa de Futebol que mandou repetir o que já tinha sido repetido, quando faltava uma jornada para terminar o Campeonato, isto é, antes do Barreirense ir jogar a última jornada, precisamente a Coimbra com a Académica.
Por aqui se vê os poderes que tinham os membros desse Conselho Superior para tomarem uma decisão daquelas, beneficiando claramente a Académica em detrimento de um dos três clubes atrás citados. Vergonhas de outros tempos. Ainda e sempre os famigerados bastidores dos corredores bolorentos do futebol português.
Os estudantes vieram em peso, numa quarta-feira soalheira, ao Barreiro, apoiar a sua Académica mas, no final, saíram a chorar do D. Manuel de Melo , pois a sua Académica perdeu o jogo com o Barreirense por 1 a 0 e desceu mesmo à II Divisão.
Registe-se que quem marcou esse golo foi o Câmpora, recentemente falecido.
A história está também contada em poesia e aqui vos deixo os respectivos versos.
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O PROTESTO
Foi num domingo de chuva
Que o árbitro interrompeu
O Barreirense - Académica
Que havia de ser repetido
E que tanto falar deu
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A história que eu vou contar
Contou-ma certo doutor
A Académica a protestar
O Barreirense a ganhar
Com o seu real valor

O Conselho Superior
Ao fazer a vigarice
Queria mandar o Atlético
O Leixões e o Beira-Mar
Todos juntos prá choldrice

Nessa grande quarta-feira
Tudo faltou ao trabalho
Pra assistir ao funeral
Para ir ver a matança
Académica no talho

Uma esperança que não finda
Uma fé que tudo vence
Um valor mais alto ainda
Nestas gargantas ansiosas
Um só nome Barreirense

Barreiro, Maio de 1972

José M. Guerreiro
(Oiã - Aveiro)
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[texto publicado no JORNAL DO BARREIRO na série RECORDAR E VIVER, alusiva ao Centenário do Futebol Clube Barreirense]
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