domingo, 26 de setembro de 2010

Recordar e Viver (X)


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Carnaval em Torres

A cidade de Torres Vedras preparava já afincadamente o seu tradicional e afamado Carnaval, quando o FCB aí se deslocou para defrontar o Sport Club União Torreense.
Sob a orientação técnica de Luís Mira, almejávamos o regresso à I Divisão, objectivo que veio a ser alcançado pelo Estoril, treinado pelo polémico e carismático António Medeiros.
Abrantes, guardião titular da nossa baliza, era mais que um simples futebolista. Dirigente do Sindicato de Jogadores de Futebol, era à data um cidadão com um conjunto de preocupações em relação à sua classe, que o distinguiam pela positiva de grande parte dos seus pares. A maioria dos atletas da equipa profissional do FCB tinha uma escolaridade que não ultrapassava o 4º ano [antiga 4ª classe]. Com a colaboração de José Barbado, ilustre Barreirense e co-proprietário com Hélder Fráguas do Colégio Moderno do Barreiro, Abrantes estimulou, ajudou a conceber e a concretizar uma experiência inédita. Com efeito, mobilizou-se um conjunto de boas vontades e, o Colégio Moderno foi palco da frequência do primeiro ciclo por cerca de quinze futebolistas.
Concluído o curso liceal em 1974, inscrevera-me na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, para cumprir um sonho e desejo de criança: ser médico. Mas, na sequência da Revolução dos Cravos, a minha frequência universitária foi protelada, para cumprimento de um ano do chamado Serviço Cívico, imposto pelas autoridades educaticas governamentais. Os portugueses, depois de 48 anos de ditadura, estavam sedentos de participação cívica, mergulhados numa multiplicidade de organismos populares recém-criados, e (ainda) muito iludidos pela perspectiva de construção de uma pátria mais justa e mais próspera. Também eu aderi a causas belas e generosas.
Convidado por José Barbado – amigo de longa data de meu pai, e progenitor da Manuela Barbado, uma das maiores amigas da minha irmã – aceitei prontamente o desafio, e leccionei a disciplina de Ciências Naturais. E integrei o corpo docente, com José Barbado e os meus ex-companheiros de liceu, e ainda hoje grandes amigos, Eduardo Silva, João Mário Viana, José Manuel Sousa e Manuel Pedro.
A disponibilidade inicial da maior parte dos quinze atletas rapidamente se desvaneceu, mas três deles – José João, Serra e Carlos Mira – vieram a concluir nesse ano lectivo o primeiro ciclo liceal.
Foi, para todos nós, uma experiência inolvidável.
Para além da actividade docente acompanhámos a equipa em alguns jogos forasteiros. E fomos particularmente estimados por todo o grupo. Nesse domingo de 2 de Fevereiro de 1975, deslocámo-nos então a Torres Vedras, onde uma exibição portentosa do avançado Charouco abriu as portas a uma vitória do FCB (4-2). No final do jogo, numa manifestação sublime de fair play, os dirigentes do Torreense brindaram a comitiva Barreirense com uma magnífico churrasco, para o qual nós, os professores, fomos gentilmente convidados. Grande dia! Grande vitória! Grande lição de vida!
Em 2007, passados vinte e dois anos, voltei a Torres Vedras, ao Campo Manuel Marques. Para ver o FCB empatar e comprometer a permanência na II Divisão (terceiro escalão nacional). Destino que veio infelizmente a confirmar-se, poucas semanas depois.

Paulo Calhau
[Texto inserido no meu livro PROVA DeVIDA – Estórias e Memórias do meu Barreirense e publicado no JORNAL DO BARREIRO, na série RECORDAR E VIVER, alusiva ao Centenário do Futebol Clube Barreirense]
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